sexta-feira, junho 16, 2006

Há quase um ano... 25 de Maio, 2005

Há muito, muito tempo atrás, onde as brumas da imaginação se fundem com as memórias, eu fui uma criança. E tinha asas abertas como as de um condor e a liberdade era infinita e azul, como o céu.Algures nos picos montanhosos do meu mundo imaginado erguia-se a minha Machu Pichu, também ela último bastião da minha inocência e da vontade e alegria de viver de então. Também esta agora encontra-se deserta, povoada por sombras espectrais, que não sei se memórias ou sonhos. De quando em quando é por mim revisitada, não como Mulher, mas como Mulher-Criança, que nunca teve pressa ou vontade de crescer. Também agora tenho asas abertas como as de um condor, mas agora debatem-se esfarrapadas, descarnadas, num céu que já pouco tem de azul, mas antes é escuro, cinzento e sufocado de nuvens, até que as fúrias dos ventos me arrastem em turbilhão para a vertigem, quando já for Anciã-Criança. E é assim que se evola o tempo, numa vertigem constante de céus azuis e de nuvens escuras, nunca nada iguais, mas castelos que se constroem e desfazem no Ar e se transfiguram e metamorfoseiam, até nada mais serem que possibilidade.
As brisas e ventanias acariciam a minha pele-penugem, eriçando-me e sustendo-me, enquanto rodopio no ar, ao encontro das minhas memórias-sonhos adormecidos num breviário de sucessões temporais. Algures no tempo, os meus olhos tinham estrelas e as minhas mãos eram fieiras de água, lusas e transparentes, em comunhão com o Ser. As árvores-pernas que me sustinham desenraizaram-se e agora nada mais há a fazer, porque toda a essência de mim é ave, que anseia por voos e vertigens de azul, lá no alto, nos picos sobranceiros de um imaginário sonhado real. A minha garganta contrai-se em piados que nada mais são que “Aqui! Estou aqui!”, um ponto negro que se derrete numa liberdade azul.
E se tu és peixe, meu amor, como pode a tua essência clamar também pelo Ar? Mesmo repousando na Água que, por vezes, é o meu corpo, onde podes tu encontrar abrigo? Com os teus olhos de poços negros contemplas outros céus que não os meus, porque estás deles mais distante, nem nunca sentiste a angústia de Ícaro que me confrange os ossos e toda a minha maravilhosa estrutura voadora, que é de criança, mas de condor também. Mesmo que eu repouse também na Água que não queres por lar, sabes que a encruzilhada de nós dois só pode ser uma outra essência, que não real, mas efémera e idealizada. Se estranhos fôramos, maravilhosas máquinas de rendição e de absolvição, não teríamos a Ânsia de outro mundo onde o Ar e a Água se fundissem, como num só turbilhão pregne de Substância, promessa de um Desejo e sonho de Princípio. Assim, turbilho em torno da minha cidadela cravada nuns quaisquer picos nebulosos de recordação-ideal, e fecho os olhos a um Devir de imaginação e as folhas de um breviário de ilusões.

II.

De um sol líquido é a penumbra feita, onde repousam os meus olhos cansados de tantas visões. Nela as formas alongam-se e revelam a sua verdadeira identidade. Qual pitonisa prescruto-a, em busca do que me foi tirado e que nunca conheci. Ela só me devolve o brilho de uns olhos-espelho onde me vejo no reverso de mim mesma, o caminho que ainda tenho de percorrer. Eu sou o que fui, mas também promessa de amanhã.